O valor da interação na pré-escola

O valor da interação na pré-escola
O valor da interação na pré-escola
Introdução:

A forma mais comum de incentivar a interação no dia a dia é dividir a turma em grupos. Mas é preciso garantir que essa forma de trabalho gere bons frutos. Infelizmente, ainda é comum os pequenos nem conversarem entre si até o professor dar orientações sobre o que fazer. O professor César Coll, do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Barcelona, na Espanha, desenvolveu uma teoria para explicar a influência positiva da relação entre os pequenos na escola – e a batizou de construção colaborativa do conhecimento. Segundo Coll, a aprendizagem se dá justamente no momento em que as crianças, no auge do conflito de idéias, precisam buscar soluções. Muita gente ainda acha que elas não vão conseguir encontrar conclusões coletivas baseadas em suas hipóteses individuais e que, portanto, o melhor é dar as respostas certas de uma vez. “Cabe ao educador compreender que também as crianças podem construir o saber, que o conhecimento não está apenas nas mãos dele”, diz a consultora pedagógica de NOVA ESCOLA, Regina Scarpa. 
César Coll apóia sua teoria nas idéias do suíço Jean Piaget (1896-1980) e do russo Lev Vygotsky (1896-1934). “É necessário que o professor deixe de ser um mero conferencista e estimule a pesquisa e o esforço, em vez de se contentar com a transmissão de soluções já prontas”, escreveu Piaget em Para Que Serve a Educação?, de 1973. Segundo ele, a criança não é um robô, que apenas retém as informações tal como elas lhe são apresentadas, mas um sujeito que interpreta o que a escola se propõe a ensinar. Em outras palavras, toda criança constrói o conhecimento intermediada pelo outro. 
Já Vygotsky diz que as interações sociais são as alavancas do processo educativo. Segundo ele, é essencial a turma travar contato com o maior número de pessoas, adultos e crianças, inclusive os colegas, numa relação de ajuda mútua. A você cabe o papel de ampliar o conhecimento, mas sempre partindo do que cada criança já sabe, com base em suas experiências prévias dentro e fora da escola. Escreveu Vygotsky: “Tanto quem ensina como quem recebe a informação aprende, pois, ao ensinar, o parceiro mais experiente reorganiza seu conhecimento e assim sabe cada vez mais”.

Interesses semelhantes 
Assim, a interação entre duas ou mais crianças é um excelente meio de promover o aprendizado. Uma forma bastante eficiente de facilitar a interação é trabalhar com cantos de atividades (leitura, desenho, brincadeira de faz-de-conta), em que todos possam circular livremente de acordo com seus interesses (leia uma experiência com cantinhos em uma escola do Recife no quadro abaixo). Essa organização ajuda a exercitar a autonomia, afirma Cisele Ortiz, coordenadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo. “Ninguém aprende a decidir se não tiver opção. Além disso, ela destaca a construção do conceito de respeito mútuo. “Uma menina não pode usar o mesmo vestido que a amiga, na mesma hora, numa brincadeira de faz-de-conta. Elas precisam combinar regras e dialogar para resolver o conflito.” 
Nesse contexto, a troca entre pares de mesma idade é essencial, pois ambos possuem interesses, conhecimentos e necessidades muito semelhantes. Em termos de comportamento, os pequenos se tornam mais solidários e respeitosos ao trabalhar em conjunto nas atividades propostas pelo professor de pré-escola. Eles aprendem a pedir e receber ajuda, a superar frustrações e a desenvolver um pensamento comum para resolver questões do dia-a-dia. 
Em contato com o outro, constrói-se também a própria identidade pela observação de afinidades e diferenças. “As múltiplas experiências de relação pessoal contribuem para as crianças descobrirem a si mesmas, o que torna a convivência uma experiência única, cheia de prazeres”, diz Rosana Dutoit, coordenadora de projetos de formação continuada do Instituto Abaporu, de São Paulo. 
A função do professor não é eximir-se de responsabilidade. Ao contrário, é seu papel funcionar como uma espécie de “anfitrião” dessa aprendizagem colaborativa. Isso ocorre ao pensar nas atividades que serão realizadas, ao convidar as crianças a trabalharem e pensarem juntas, ao explicar que a natureza dessas tarefas é cooperativa, ao estimular a participação de todos e ao coordenar tudo isso dentro da sala. Em outras palavras, tudo se resume a planejar (antes), observar, incentivar e apoiar as crianças (durante) e avaliar os resultados (depois).

Cantinhos que ensinam
No Colégio Arco-Íris, no Recife, a professora Fabiana Marinho dos Santos chama toda a meninada de 4 anos para participar da montagem dos cantinhos, que estão espalhados por toda a escola. A cada ano, ela monta novos espaços com turmas diferentes. Em 2007, foram definidos três agrupamentos distintos: o ateliê (para pintura, desenho e colagem), o canto da leitura (contos de fadas, revistas, gibis etc.) e o do camarim (fantasias, bonecas, esmaltes, carrinhos e afins). “As artes plásticas relacionam-se ao percurso criativo da criança, a leitura é essencial para sua futura alfabetização e o camarim trabalha com o lado lúdico”, justifica. Nas rodas de conversa, a meninada dá idéias de onde montar cada espaço dentro da sala e do que colocar neles. Fabiana garante que o maior benefício dessa organização é a enorme interação que se estabelece entre as crianças e que resulta no aprendizado coletivo a que o pesquisador César Coll se refere. Ela já cansou de ouvir frases como “Deixa que eu te ensino a segurar a boneca” e “Agora vou te mostrar como se faz isso”.
Escrito por: Carla Soares Martin 
Fonte: NOVAESCOLA