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Como ensinar pontuação – Sequencia Didática |
Considerar que a vírgula tem a função de indicar uma pausa breve, o ponto de dar descanso à leitura e a interrogação de marcar a entonação é se basear na ideia de que eles servem apenas para marcar uma leitura em voz alta – o que, considerando o uso atual da língua, é no mínimo insuficiente. A pontuação é um dos recursos que o escritor utiliza para dividir o texto em unidades de sentido, dando hierarquia às informações e ajudando o leitor a compreender o que ele quer dizer. Pontuar, portanto, não é uma atividade secundária na escrita, mas faz parte dos recursos na produção do texto, assim como as diferentes tipologias, os espaços em branco, o negrito, as notas de rodapé e quadros, que têm essa mesma função.
Um trecho do livro Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector (1920-1977), exemplifica como isso ocorre. Veja só: “Houve um momento grande, parado, sem nada dentro. Dilatou os olhos, esperou. Nada veio. Branco. Mas de repente num estremecimento deram corda no dia e tudo começou a funcionar, a máquina trotando, o cigarro do pai fumegando, o silêncio, as folhinhas, os frangos pelados, a claridade, as coisas revivendo cheias de pressa como uma chaleira a ferver”. Claramente, os sinais afetaram o sentido e os efeitos do texto, já que as frases curtas colaboraram para visualizar a lentidão da imagem e as vírgulas da última frase mostram uma sucessão de fatos.
Ao trabalhar o conteúdo em sala de aula, você deve deixar de lado a velha fórmula de apresentar regras que predeterminam as funções dos sinais e esperar que os alunos as decorem. Como as crianças entram em contato com a pontuação já em suas primeiras situações de leitura e escrita, o mais adequado é aproveitar a familiaridade delas com os textos para analisar os diferentes usos dos recursos de pontuação nos mais variados gêneros. O essencial, portanto, é notar o contexto em que estão, a intenção que devem produzir e a maneira como o autor quis passar suas ideias (VEJA a sequência didática NO FINAL DA POSTAGEM).
Quem está acostumado a ensinar com base nas regras e muda a prática em sala de aula para a análise de variadas obras sente uma diferença brutal na aprendizagem dos estudantes. Foi o que ocorreu com Milene Aparecida de Lima Moreira, que leciona no 4º ano da EM Bernardo Ferreira Guimarães, em Rio Piracicaba, a 132 quilômetros de Belo Horizonte. Quando começou a fazer cursos de formação continuada sobre produção de texto, ela repensou sua maneira de trabalhar. Nos primeiros meses de aula, já utilizou os novos conhecimentos.
Com base nos resultados de uma produção individual de texto, Milene identificou os erros dos estudantes e os itens a que precisaria dar mais atenção. “Eles acertavam na grafia das palavras e na construção da composição, mostrando coerência e começo, meio e fim bem delimitados”, explica. No entanto, apesar de usarem os sinais de pontuação em exercícios com frases soltas, eles tinham dificuldades no momento de escrever textos completos. “As crianças usavam de vez em quando o ponto final e a vírgula. E só”, relata. Milene criou uma série de atividades com o objetivo de analisar o uso de sinais que aparecem com frequência nos diálogos das fábulas, como dois-pontos e travessão. Para ela, a pontuação hoje tem outro propósito: “Se você quer que os alunos produzam bons textos, com fluência e lógica, esqueça as atividades de pontuação de frases isoladas”, diz com propriedade.
Analisar o próprio texto e compreender o dos outros
ESCOLHA CERTEIRA
(à esq.) O trabalho fica mais rico com a troca de opiniões. Em duplas, as crianças decidem quais os melhores recursos ANÁLISE DO SENTIDO Na leitura de textos de autores consagrados e gêneros variados, os alunos refletem sobre os sinais
Uma avaliação da pontuação, mais especificamente sobre o uso da letra maiúscula no início das frases na escrita infantil, foi o tema da tese de doutorado de Telma Weisz, especialista em alfabetização e supervisora pedagógica do programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo. Na pesquisa, ela ressalta duas atividades importantes para levar a criançada a refletir. Uma ocorre durante a revisão, quando os aprendizes se debruçam sobre as próprias produções. A outra consiste na apreciação de obras de bons autores. Dessa forma, elas conseguem notar as regularidades existentes no estilo de escrita em questão e os efeitos que elas causam na leitura. Afinal, para conseguir escrever composições de qualidade, é preciso ter um bom repertório.
Telma cita os textos jornalísticos como um material interessante para ajudar a pensar sobre os usos da vírgula, já que em jornais e revistas é possível identificar variados usos dela. O ideal, contudo, é diversificar: quanto mais amplo o leque de publicações com que as crianças entram em contato, mais rica é a bagagem de conhecimento que elas adquirem. Questioná-las sobre o porquê de uma vírgula ter sido colocada em determinado lugar ou o motivo de o autor ter usado reticências faz com que elas pensem e possam refletir sobre as intenções do autor. Sempre é possível repensar o uso de um sinal e trocar ideias com os colegas sobre ele. “A intervenção pedagógica é voltada para a reflexão sobre o funcionamento da pontuação num texto em particular e não para a formulação de prescrições genéricas”, diz Telma.
Sua lição de casa estará completa quando você conseguir articular diferentes atividades de leitura e produção de texto, analisando o papel da pontuação no discurso escrito. Há várias maneiras de fazer isso: propor leituras, pedir produções de texto, organizar a reescrita de histórias e solicitar que as crianças revisem os próprios textos. Com isso, elas podem notar as regularidades e perceber quando as regras fazem sentido, como a proibição do uso da vírgula entre o sujeito e o predicado. Essa sistematização do conteúdo não significa procurar regras para encaixar os exemplos, mas saber o que se quer comunicar e a capacidade desses recursos de influenciar a qualidade dos textos.
Sequência Didática – Pontuação nos discursos
Objetivo(s)
- Analisar o modo de introdução do discurso do personagem na fala do narrador: discurso direto e indireto.
- Constituir um repertório de marcas gráficas.
- Reconhecer as diferenças de efeitos de sentido no uso dos discursos direto e indireto.
Conteúdo(s)
Pontuação nos discursos direto e indireto.
Material necessário
Cópias de cinco textos de um mesmo gênero (contos, crônicas, lendas ou fábulas) que utilizem de maneiras variadas o discurso direto (com aspas, travessão, dois-pontos, parágrafo) e o indireto (com recursos diversos para contar o que diz o personagem).
Desenvolvimento
1ª etapa
Forme duplas e distribua dois textos. Eles devem mostrar maneiras diferentes de apresentar a fala dos personagens (pelo discurso direto e pelo indireto). Discuta as obras dos autores, seu estilo e as características do gênero. Dê alguns minutos para que todos leiam individualmente o material. Em seguida, diga que notem como cada autor organizou o discurso e produziu efeitos utilizando a pontuação para construir o sentido.
2ª etapa
Peça que observem qual diferença há entre os textos em relação aos discursos direto e indireto. Em qual das maneiras as reações do falante são retratadas com mais fidelidade? Qual jeito de contar a história deixa o leitor mais distante das reações?
3ª etapa
Retome os dois textos e peça que os estudantes identifiquem as marcas de 1ª pessoa e de 3ª pessoa, relacionando-as com seus efeitos de sentido. Diga que os alunos destaquem com lápis coloridos as formas de representar as falas dos personagens. A intenção é que percebam a presença no discurso direto de verbos em 1ª pessoa (quando o autor reproduz literalmente a fala do personagem) e que no discurso indireto os verbos estão em 3ª pessoa (e o narrador conta o que o personagem falou).
4ª etapa
Levante a discussão sobre as diferentes possibilidades de marcar no texto o discurso direto: dois-pontos, aspas, parágrafo e travessão. Apresente mais dois textos para que possam observar como outros autores os utilizaram.
5ª etapa
Apresente ainda um novo texto que mostre diferentes maneiras de o travessão indicar o discurso do personagem: no início da frase (por exemplo, em – Oi, tudo bem?), no meio dela (“[…] – ele perguntou, e continuou – […]) ou no fim ([…] – Samuel falou). Peça que façam a mesma análise com os outro sinais. Organize com o grupo o registro do conhecimento construído por meio da observação, discussão e análise dos textos estudados.
Avaliação
É hora de os alunos aplicarem o que foi aprendido no estudo dessa sequência. Organize atividades individuais de análise de pontuação de textos e depois discuta coletivamente, fazendo intervenções específicas. Observe também se usam esses recursos de pontuação nas próximas produções de texto.
Flexibilização
Para deficiência auditiva
Para que alunos com deficiência auditiva possam participar desta sequência didática, o primeiro passo é ter cópias dos textos para que todos acompanhem a leitura. Disponha a turma em duplas, de maneira em que o aluno surdo seja acompanhado por uma criança bastante concentrada e com expressividade gestual. Numa primeira leitura peça para que grifem de cores diferentes os trechos em que ocorre o narrador e os trechos em que ocorrem falas ou pensamentos de personagens.
Em seguida, peça que listem as personagens e que façam a leitura dramatizada, encenando a história e utilizando mímica. Garanta a participação do estudante com deficiência auditiva.
Durante a leitura dramatizada, faça com que todos verifiquem os discursos utilizados e solicite para que marquem o discurso direto e o discurso indireto em cores diferentes. O uso do travessão como marca do discurso direto deve ser apresentado para a criança surda, explicando-se que para mostrar o diálogo na escrita empregamos o travessão (identificado pelo símbolo). Peça que as duplas observem os diferentes efeitos do discurso direto e do discurso indireto nas narrativas. Questione a turma: qual discurso utilizado traz mais vida às personagens? Depois de discutirem oralmente as diferenças de sentido e de efeito dos discursos com a turma e garantir que tenham grifado os textos, anote todos os apontamentos no quadro, para acompanhamento do aluno com deficiência auditiva.
Para deficiência intelectual
- Se o estudante ainda não dominar a leitura, faça dupla com ele ou o coloque com um colega mais competente. Leia alguns diálogos marcando bem a entonação de voz do personagem e peça que acompanhe sua leitura seguindo as palavras e pontuações com o dedo.
- Peça que, em casa, o aluno memorize alguns diálogos para apresentar para os colegas.
- Dê ao aluno uma legenda com essas pontuações e peça que circule-as no texto.
Obrigado por estas informações.