Mãe sobrecarregada, pai ‘tranquilo’: na busca do equilíbrio familiar, educação dos filhos deve motivar mudanças

Especialistas alertam: lares com um dos pais sobrecarregados podem comprometer o desenvolvimento da criança e despertar sentimentos negativos na relação com os responsáveis.

Insegurança, agressividade e falta de vontade de aprender podem ter relação direta com a (falta de) rotina familiar. Na visão de especialistas ouvidos pelo g1, o sucesso escolar começa em casa. Mas quando mães estão sobrecarregadas e os pais, muito tranquilos, quem perde é a criança que deixa de ter todo o apoio necessário para desenvolver seu potencial.

Entender que existe uma “carga mental” que recai exclusivamente sobre as mulheres é o primeiro passo, sobretudo em um momento em que a sociedade discute uma defesa retrógrada de movimentos machistas (como o da filosofia dos red pills: homens que acreditam que são superiores às mulheres e que o feminismo deve ser combatido, pois ele estaria oprimindo a classe masculina).

Precisamos acabar com a ideia de que o pai ‘ajuda’ a mãe. Não é ajuda, é dever, é função dele. A única coisa que a mãe pode fazer e o pai não é dar o peito à criança. Fora isso, absolutamente tudo pode ser feito pelo homem também. E ele precisa fazer.

— Mariana Vieira, terapeuta especializada em gênero e com atendimento a mulheres mães

(Esta reportagem é parte de uma série que o g1 publica nesta semana e que ainda vai dar dicas de como “desenhar” para os maridos o que é a carga mental e também como educar filhos antimachistas.)

carga mental sobre as mulheres que pode afetar o desenvolvimento das crianças tem relação com o desequilíbrio na divisão das tarefas familiares.

“O pai é desresponsabilizado das ações diárias que envolvem carga mental, [como] pensamentos e preocupações sobre o futuro da criança, alimentação, vestimenta, higiene, comportamentos, da carga física, como perder noites de sono, preparar alimentação, acompanhar atividades escolares, e da carga emocional que é acolher, dar colo, acalmar, gerenciar conflitos”, diz Thais Basile, psicanalista especialista em psicopedagogia institucional.

Maria Isabel da Silva Leme, psicóloga especializada em psicologia da aprendizagem, que trabalha com resolução de conflitos interpessoais, explica o que acontece:

“A mulher entrou no mercado de trabalho, mas a cultura familiar ainda não mudou. Então, ela continua assumindo a maior carga dos cuidados da casa e dos filhos”.

Sem uma mudança de pensamento e postura dentro de casa, fica ainda mais difícil romper esse ciclo machista.

Riscos indiretos das mães sobrecarregadas

Mães e pais atuantes, que dividem tarefas e são exemplos de respeito, evitam a exposição da criança a um ambiente conflituoso.

Especialistas apontam que o aprendizado das crianças tem relação direta com a disponibilidade emocional que elas encontram nos pais. Filhos precisam estar bem amparados emocionalmente para que tenham vontade de aprender.

Rotinas desequilibradas, pais ausentes e mães solitárias na condução das rotinas familiares podem contribuir para:

  • Diminuição da confiança da criança;
  • Falta de vontade de aprender;
  • Retrocesso ou bloqueio do amadurecimento emocional;
  • Comportamentos imprevisíveis e agressivos; e
  • Retardo no desenvolvimento da personalidade.

Mas como isso acontece na prática?

Crianças são afetadas por qualquer que seja a divisão ou organização familiar. Por isso, deve haver um equilíbrio na distribuição de funções até em famílias formadas por pais que já não se relacionam romanticamente.

“Se o pai ou a mãe, ou ambos, age com descaso, não será surpresa se a criança agir igual. Pode pensar ‘se meu pai não quer saber se fiz a tarefa de casa, por que vou fazer?'”, diz Belinda Mandelbaum, professora associada do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP, onde coordena o laboratório de estudo da família, relações de gênero e sexualidade.

O mesmo raciocínio vale para outras situações. “Se minha mãe não se importa se entendi o conteúdo, por que vou pedir ajuda para estudar? Isso pode levar à falta comprometimento com as atividades escolares, bem como com seu desempenho escolar”, explica Belinda.

Além disso, ter um pai tranquilão, ausente e descompromissado pode despertar na criança uma sensação de que ela não é importante ao menos para um dos lados do casal.

“O pai chegou cansado do trabalho e quer descansar, não quer gastar mais energia com o filho. A criança pode interpretar que ela é um fardo e isso pode levá-la a se tornar alguém recluso, tímido, com medo de se expressar, ou o contrário, assumindo comportamentos agressivos como maneira de demandar atenção”, completa a especialista.

Em geral, é comum que fiquem com o pai as tarefas mais associadas ao lazer e à diversão.

Em outros casos, também acontece de ser, equivocadamente, associado ao pai o papel de imposição de limites e regras de forma em geral bastante autoritária.

“Os pais devem, na medida do possível, oferecer para criança um ambiente seguro para que ela sinta confiança do amor dos pais por ela, confiança do amor na família, independentemente dos conflitos que existem em cada família”, diz.

Maria Isabel da Silva Leme também acredita nos benefícios da divisão justa. “O ideal seria que os dois participassem igualmente, na medida do possível, pois, quanto mais diversa essa relação, mais rica ela é”, afirma.