Cálculo mental: contas de cabeça sem errar

Cálculo mental: contas de cabeça e sem errar
Cálculo mental: contas de cabeça e sem errar – Fonte: Aprendendo Matemática

O cálculo mental ajuda a compreender o sistema de numeração e as propriedades das operações

Escrito por: Paola Gentile – NOVAESCOLA
Existem quatro maneiras de resolver as contas que diariamente aparecem na nossa frente: usando a calculadora, estimando o resultado com base em referências e em experiências anteriores, fazendo a conta ou usando o cálculo mental. Em atividades profissionais, geralmente os adultos usam a calculadora ou outras máquinas afins. No dia a dia, porém, o mais comum é as pessoas chegarem mentalmente ao resultado ou estimar um valor aproximado. Mas na escola essas estratégias não são valorizadas e a atenção ainda está no ensino da conta armada. 
Durante muito tempo, se acreditou que a economia de etapas e a rapidez na resolução de problemas fossem os objetivos máximos a serem alcançados na disciplina de Matemática. Nesse sentido, ensinar algoritmos para fazer contas parecia ser o mais indicado. Se por um lado o uso de fórmulas permite organizar o raciocínio, registrá-lo, lê-lo e chegar à resposta exata, por outro, fixa o aprendizado somente nessa estratégia e leva o estudante a conhecer apenas uma prática cada vez menos usada e, pior, a realizá-la de modo automático, sem entender exatamente o que está fazendo.

Já fazer contas de cabeça sempre foi considerada uma prática inadequada. Porém, para saber quanto vai gastar na cantina ou somar os pontos dos campeonatos esportivos, o estudante não usa o algoritmo: sem lápis e papel, ele faz aproximações, decompõe e aproxima números e alcança o resultado com bastante segurança. Além de ser um procedimento ágil, ele permite à criança ser ativa e criativa na escolha dos caminhos para chegar ao valor final. 
“Os primeiros contatos com o cálculo mental costumam acontecer no convívio com outros adultos, quando as crianças incorporam certas técnicas usadas por eles. Na escola, ele precisa ser sistematizado e valorizado como uma estratégia eficiente para fazer contas”, explica Maria Cecília Fantinato, formadora de professores em Educação Matemática na Universidade Federal Fluminense (UFF). 
Para garantir o sucesso dessa forma de calcular, é imprescindível que a turma saiba de memória alguns resultados de contas simples – como o dobro, o triplo, a metade e outras adições, subtrações, multiplicações e divisões.

Mais fácil com o dobro e a metade

Os primeiros cálculos realizados certamente envolveram estratégias relacionadas ao dobro e à metade. Isso pode ser explicado pela simetria do corpo humano, que nos permitiu realizar tarefas como agrupar ou separar elementos com ambas as mãos ao mesmo tempo. Os nossos povos indígenas usavam esse procedimento para resolver os problemas cotidianos, como o da agricultura, descrito pelos índios xavantes.
Já os egípcios usavam um engenhoso método para multiplicar dois números baseado na compensação de dobros e metades. Para multiplicar 16 por 13, eles compensavam o fato de multiplicar a metade de um pelo dobro do outro.

De cabeça, mas apoiado em uma base sólida

Em sala de aula, é preciso mostrar aos estudantes que aquele raciocínio que parece desorganizado, na verdade, está apoiado nas propriedades das operações e do sistema de numeração. Exemplos: para resolver 99 + 26, é possível pensar da seguinte maneira: 100 + 26 = 126 – 1 = 125 (propriedade associativa da adição); para calcular 9 x 4, um caminho é partir de 9 x 2 x 2 = 18 x 2 = 36 ou de 4 x 10 = 40, 40 – 4 = 36 (propriedades associativa e distributiva da adição e da subtração em relação à multiplicação). Assim, a molecada sistematiza um conjunto de procedimentos, constrói um pessoal e consegue decidir pelo mais eficaz. 
Entender que 342 é formado por 300 + 40 + 2, 300 = 100 + 100 + 100 e assim por diante ajuda a raciocinar matematicamente e a entender o sentido da conta armada. “A criança passa a entender o que significa o ‘vai 1’ ou o ‘vai 2’ do algoritmo, pois compreende que o 1 é uma dezena”, explica Tereza Perez, coordenadora executiva do Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo. 
Assim, para solucionar o cálculo 52 – 38, por exemplo, é possível optar pela busca do complemento – fazendo 38 + 2 = 40, 40 + 10 = 50 e 50 + 2 = 52 e depois somar os números que foram acrescentados a 38 (2 + 10 + 2 = 14).
Da mesma maneira, pode-se usar a decomposição. Para resolver 15 + 14, uma opção pode ser somar as dezenas e as unidades separadamente (10 + 10 = 20 e 5 + 4 = 9) e juntar os resultados parciais (20 + 9 = 29). Em sala de aula, o importante é divulgar as várias formas de resolução para que cada um tenha a possibilidade de escolher em seu repertório a que melhor lhe convém, adquirindo autonomia.

Antonio José Lopes Bigode, consultor na área de Matemática e autor de livros didáticos, aconselha a reservar pelo menos cinco minutos por dia para atividades desse tipo: “O cálculo mental deve ser um objetivo pedagógico e ser realizado com bastante frequência na classe”.

Buscando um resultado, mesmo que seja aproximado

No dia a dia, nem sempre é imprescindível chegar ao valor exato no fim das contas. Na maioria das vezes, basta uma aproximação para tomar uma decisão: o dinheiro vai dar para comprar tudo o que preciso na cantina da escola? A quantidade de pacotes de cadernos vai ser suficiente para toda a turma? Arredondar pode ser útil em situações como essas e para antecipar e checar contas feitas na calculadora e com algoritmo. 
Reservar um tempo para o confronto das diferentes estratégias faz com que a criança analise outras maneiras de resolver as contas e se aproprie das que lhe parecem mais eficazes. Conforme os estudantes vão contando o raciocínio desenvolvido, você pode registrar as etapas no quadro para que o resto do grupo acompanhe. Diferentemente do que pode parecer, a escrita não é proibida no cálculo mental (leia o quadro abaixo).

Escrevo, logo penso

A escrita também faz parte do trabalho com cálculo mental, mas devem ser usadas formas diferentes do algoritmo. O aluno pode fazer notas para apoiar o raciocínio. Vale marcar com traços, bolinhas ou qualquer outro elemento visual (no caso de crianças pequenas) ou ainda algarismos, desde que sejam utilizados para registrar resultados parciais das etapas percorridas mentalmente. Ou até mesmo o texto: dessa forma, o estudante desenvolve o raciocínio matemático em outra linguagem. O registro, porém, não deve acontecer sempre, pois o incentivo ao uso da memória é outro ponto importante do cálculo mental.
“O aluno que é rápido no cálculo mental se considera ‘bom de Matemática’”, diz Tereza Perez. “E só o fato de adquirir essa confiança já é uma grande conquista.”
Mas, afinal, com as vantagens apresentadas pelo uso do cálculo mental, será que ele vai tomar o espaço do algoritmo nas séries iniciais? A resposta é não. Os dois procedimentos são importantes e devem ser desenvolvidos paralelamente, como já se faz em algumas escolas brasileiras e em outros países (leia o quadro abaixo). A ideia é que a criança tenha cada vez mais recursos para chegar ao resultado das operações com segurança, de maneira progressivamente econômica e, acima de tudo, compreendendo realmente a resolução.

O cálculo mental mundo afora

Holanda e Inglaterra têm experiências paradigmáticas – e muito diversas – no trabalho com cálculo mental em sala de aula. Os educadores holandeses adotaram nos anos 1980 a Educação Matemática Realística, uma linha pedagógica que privilegia a criação de situações cotidianas para o desenvolvimento do cálculo. O método – desenvolvido pelo Instituto Freudenthal, da Universidade de Utrecht – aposta tanto no cálculo mental que o algoritmo só é introduzido no 3º ano do ensino primário. Já na Inglaterra o trabalho começou mais tarde, no fim da década de 1990. Segundo Terezinha Nunes, especialista no ensino de Matemática da Oxford Brookes University, a National Numeracy Strategy levou às escolas desse país um método de ensino de operações mentais muito próximo do desenvolvido com os algoritmos. Ou seja: os alunos continuaram a decorar regras para resolver os problemas propostos, mudando apenas o “suporte” do cálculo. 
É fácil imaginar que a experiência com os estudantes holandeses apresente resultados mais bem-sucedidos. As escolas brasileiras que trabalham com cálculo mental costumam seguir essa linha, que teve pesquisas análogas em países como a França e a Argentina.
Escrito por: Paola Gentile
Retirado do NOVAESCOLA