Novos Olhares sobre a Indisciplina Escolar

Novos Olhares sobre a Indisciplina Escolar
Novos Olhares sobre a Indisciplina Escolar
Resumo: A partir de observações feitas no decorrer do estágio em Psicologia Escolar, foram pontuados nesse texto, problemas relacionados à indisciplina nas escolas, na tentativa de propor um olhar ampliado para as tantas possibilidades que desencadeiam comportamentos considerados indisciplinados, descentralizando a indisciplina apenas como problema do aluno e refletir sobre o trabalho e as intervenções propostas pela Psicologia escolar.

1. Introdução

A chegada do sujeito no ambiente escolar, por vezes, representa um “novo mundo”, regras e convivências diferentes do que está habituado em sua vida fora desse ambiente. Novas pessoas, novas atividades, nova organização. Um ambiente onde, independente de suas experiências, todos são enquadrados em um novo modelo de ser e agir.  A escola tradicional valoriza a retenção do saber no professor e tem como função a transmissão do conhecimento, não respeitando o tempo e ritmo diferentes de cada aluno, as dificuldades e limitações. Aqueles que não conseguem acompanhar, se dispersam e não prestam atenção , por vezes sendo denominados como alunos indisciplinados por passarem o tempo brincando, levantando e conversando. Os alunos que têm mais facilidade e possuem um ritmo mais rápido, sentem-se frustrados a terem que repetir tantas vezes atividades e escutar explicações repetidas, assim apresentando um comportamento desmotivado e serem taxados como alunos desinteressados.
 A disciplina então não deve ser compreendida como manter alunos sentados, calados e quietos, mas sim possibilitar que todos possam se expressar e participar da aula, respeitando as regras e limites combinados entre o grupo. Por exemplo, em um jogo de futebol, os torcedores têm toda a liberdade para falar, gritar, cantar e manifestar empolgação, porém, existe como regra permanecer em seus lugares, não agredir fisicamente, não invadir o campo, etc. Cada grupo e ambiente irá impor suas próprias condições, porém, permitindo que as possibilidades de expressão sejam trabalhadas.  Como afirma Carvalho:
“As regras do futebol não só regulamentam, mas possibilitam o jogo. As regras e proibições no trânsito não visam impedir o deslocamento de veículos, mas ajudá-los” (CARVALHO, 1996, p. 132). 
A indisciplina é um fenômeno que tenta nos dizer algo, que aponta para uma questão do indivíduo ou do grupo. Não se limita a classe social, sendo observada tanto em escolas públicas quanto privadas.  Para compreender esse fenômeno é preciso quebrar paradigmas sobre regras e métodos pedagógicos rígidos, como muito se ouve falar no senso comum, como por exemplo: “As crianças precisam aprender sobre limites e regras! O professor precisa ser rígido e impor sua postura”.  Além de não se engessar na naturalização dos fatos se baseando na faixa etária da turma: “Isso é coisa de adolescente”.
Não é da natureza humana permanecer sentado por tantas horas, apenas escutando conteúdos que serão reproduzidos em uma prova. É preciso intervir no aprendizado dando sentido a esse conteúdo: “Para que serve? Como vou aplicar isso? Onde observo no meu dia-a-dia?”. Para que a educação não seja apenas uma “decoreba”, mas sim uma fonte de curiosidade e interesse posto em prática tanto nas salas de aula como na vida fora da escola. A educação criativa valoriza a capacidade daqueles que têm um ritmo mais rápido, quanto respeita e auxilia aqueles que possuem dificuldades.  É preciso romper a ideia de que a educação se faz com um professor em pé diante da turma transmitindo o conhecimento. A educação pode ser feita com a participação de todos os alunos e o professor tendo a função de facilitador, desmistificando o poder centralizado nesse profissional.
Pensando por esse ponto de vista, nos deparamos com outro fator negativo a ser trabalhado nas escolas: O engessamento pedagógico e a dificuldade de mudança dos profissionais da educação. A indisciplina em sala de aula pode ser um reflexo da postura do professor, além do que já foi citado anteriormente, um professor desmotivado atribui ao seu trabalho o desânimo e falta de inovação nas aulas. A turma por sua vez não é contagiada pela vontade de aprender e pontos de indisciplina sinalizam essa dinâmica. Um ciclo então surge: O professor desmotivado não traz novas possibilidades e espaço para a turma, por sua vez a turma desmotivada pelo professor passa a fazer bagunça e não ter interesse pela matéria, o professor sente-se cansado em perder tanto tempo pedindo atenção e silêncio, ficando ainda mais esgotado e desmotivado.  
Existe uma grande dificuldade dessa reflexão a partir do profissional da educação, esses justificam a indisciplina dos alunos como sendo algo do grupo e não sendo de sua responsabilidade, não observam que essa postura da turma é um reflexo da sua própria atuação. Cabe então a instituição junto à equipe pedagógica e da psicologia escolar, promover eventos de formação continuada, de motivação, atualização e ter um olhar e espaço para esse profissional. O ambiente escolar não pode enxergar apenas a necessidade dos alunos, mas também compreender as necessidades do professor e dar a devida atenção a ele.
As crianças hoje já nascem inseridas numa cultura de informação tecnológica, o avanço rápido dos acessórios digitais, acesso a toda e qualquer informação, esses são alguns exemplos de como a escola precisa acompanhar essa nova forma de atuação. Uma escola obsoleta que não compreende a importância que esses jovens dão a tecnologia cria um abismo entre o aluno e a educação, produz a desmotivação e desinteresse pelo aprender. A criatividade para inserir a tecnologia no ambiente escolar também é uma fonte para trabalhar e diminuir a indisciplina.
As mudanças sociais são refletidas em sala de aula, não podemos considerar uma escola que rema contra a maré, que não se insere nessa mudança. As crianças e adolescentes estão na inércia dessas mudanças e é inviável freia-las no ambiente escolar.  Os métodos pedagógicos precisam estar em constante reciclagem para acompanhar as inovações da sociedade, o caminhar histórico dos fatos e quebrar o engessamento do conteúdo para não transformar a escola em um ambiente repressor, antiquado e ultrapassado, que não desperta no grupo a vontade de debater, aprender e compreender.
Por último, pode-se observar que a indisciplina de um aluno pode ser o reflexo da sua vida fora do ambiente escolar, das suas experiências sociais. A indisciplina pode ser um alarme de que algo não está indo bem para a formação daquela criança. Pode sinalizar uma suposta carência, um sofrimento íntimo, entre tantas outras possibilidades que vão para além da escola. Nesse ponto é importante a escola manter uma constante parceria com as famílias, propondo um trabalho em conjunto, investigando o que esse aluno tem vivido como ser humano e dando a ele um olhar atento, uma observação clínica e não apenas julgadora.

2. Considerações Finais

A indisciplina nas escolas deve ser observada com atenção, com um olhar ampliado, para que seja possível compreender a dinâmica do grupo e intervir não apenas no foco que se apresenta, mas na raiz do problema. Propor uma intervenção multidisciplinar afim de não centralizar a indisciplina nos alunos, mas levando em consideração as interações entre alunos e professor, escola e família. A psicologia escolar é uma grande aliada nesse trabalho ao propor um olhar clínico na investigação dos fatores que levam a indisciplina, a compreensão da angústia do profissional da educação, da ponte entre a escola e a família, etc. O psicólogo escolar questiona o que essa indisciplina está querendo dizer, não abafa a manifestação, mas trata como um sintoma de algo que precisa ser resolvido, resgatando a importância do convívio com o coletivo e a importância do outro.
Juliana de Barros Martinez – Aluna de graduação de Psicologia, atuante há 1 ano em estágio em Psicologia Escolar em instituição privada.
CARVALHO, J. S. F. (1996). Os sentidos da (in)disciplina: regras e métodos como práticas sociais. Em J. G. Aquino (Org.), Indisciplina na escola/Alternativas teóricas e práticas (pp. 129-138). São Paulo: Summus